Se tem uma coisa que a rotina clínica nos ensina é que a boca fala. E fala muito — inclusive sobre o estado geral de saúde do paciente. A dengue, que já se tornou velha conhecida dos brasileiros, pode se manifestar muito antes do diagnóstico médico. E, muitas vezes, o primeiro a notar os sinais somos nós, dentistas!
Nosso olhar clínico precisa ir além da gengiva inflamada ou do dente trincado. Sendo assim, em tempos de surtos e epidemias, reconhecer manifestações orais da dengue pode evitar agravamentos e até salvar vidas.

Neste artigo, quero dividir com você, colega de profissão, tudo o que você precisa observar na cavidade oral quando há suspeita de dengue — sem jargões e com foco prático, direto do consultório.
Quais são as manifestações clínicas da dengue?
Antes de entender o quadro da dengue e como ela afeta a boca do paciente, é necessário compreender que a dengue é uma infecção viral aguda. Como sabemos, ela se manifesta após a transmissão através do mosquito Aedes aegypti, que afeta o corpo na totalidade.
Entre os sintomas estão febres alta, dor de cabeça (principalmente atrás dos olhos), dor no corpo. Além disso, cansaço extremo, manchas vermelhas na pele, náuseas, vômitos e em alguns casos, sangramentos leves — incluindo sangramentos orais.
Nos quadros mais graves, o paciente pode apresentar queda drástica nas plaquetas, sangramentos intensos, pressão arterial baixa e sinais de choque. Mas antes disso tudo, sinais discretos começam a surgir — e a boca, mais uma vez, pode ser a primeira a se manifestar.
O que a dengue pode causar na boca?
A cavidade oral é ricamente vascularizada. Quando o organismo está sob efeito de uma infecção viral como a dengue, o impacto circulatório e imunológico pode gerar alterações perceptíveis na mucosa e nos tecidos periodontais.
Entre os sinais mais comuns estão:
- Gengivorragia espontânea (sem estímulo mecânico);
- Petéquias e púrpuras (pequenos pontos vermelhos na mucosa);
- Ulcerações dolorosas;
- Gosto metálico ou amargo;
- Boca seca e saburra intensa;
- Alterações no paladar.
É preciso estar atento. Um sangramento gengival que aparece de forma inesperada, sem presença de cálculo ou gengivite ativa, deve acender o alerta.
Como a língua se manifesta na dengue?
A língua pode mostrar sinais claros de que o paciente está enfrentando um quadro infeccioso. Em casos de dengue, o que observamos com frequência é uma língua saburrosa, com coloração alterada — podendo variar entre um tom avermelhado intenso até um aspecto esbranquiçado e seco.
Ulcerações, rachaduras superficiais e queixas de dor ou ardência também são recorrentes. Essa sintomatologia está diretamente ligada à febre, à desidratação e à ação inflamatória sistêmica desencadeada pela doença.
A inspeção da língua, portanto, não deve ser negligenciada. Em tempos de surtos, ela pode ser um termômetro clínico de grande valor.
Por que a dengue deixa um gosto amargo na boca?
Essa é uma das manifestações orais da dengue mais recorrentes entre os pacientes: “Doutor, estou com um gosto amargo na boca e não sei o que é”. O gosto amargo durante a dengue tem origem multifatorial.
Primeiro, há a febre e a alteração da composição salivar. Depois, entra em cena o desgaste do paladar causado pela inflamação das papilas gustativas. Soma-se a isso a desidratação, o uso de medicamentos e, em alguns casos, até mesmo a saburra acumulada. Resultado: um gosto persistente, incômodo, que não cede nem com boa higiene.
Essa alteração do paladar costuma desaparecer poucos dias após a recuperação, mas pode persistir por até duas semanas, dependendo da gravidade do quadro.
Por que a dengue deixa a boca doce?
Essa sensação é curiosa, mas sim, acontece: alguns pacientes relatam que a boca ficou “doce” ou com um sabor “estranho de açúcar”. Embora seja menos comum que o gosto amargo, esse tipo de manifestação oral da dengue pode estar relacionado a alteração neurossensorial provocada pela inflamação sistêmica e à alteração das papilas gustativas.
O paladar pode ficar ruim — e isso é normal em infecções virais, especialmente quando o corpo está em esforço para combater o vírus. Não há uma explicação única para esse sintoma.
Quem está com dengue fica com a boca seca?
Sim. A xerostomia é extremamente comum em pacientes com dengue, principalmente devido à febre alta e da desidratação. Quando o corpo perde líquidos em excesso, a salivação é diretamente afetada.
A boca seca, além de causar desconforto, favorece o surgimento de saburra, halitose, ardência na mucosa e até fissuras na língua. Também aumenta o risco de infecções secundárias, como candidíase.
É fundamental orientar o paciente sobre a importância da hidratação constante — inclusive com água de coco e soro de reidratação oral — e, se necessário, prescrever saliva artificial ou enxaguantes hidratantes.
Quantos dias fica com a boca amarga na dengue?
A duração da disgeusia — ou seja, da alteração do paladar — pode variar de paciente para paciente. Em média, o gosto amargo costuma persistir durante os dias de febre e mais 3 a 5 dias após o desaparecimento dos sintomas principais.
No entanto, há casos em que esse sintoma se mantém por até 10 a 14 dias, especialmente se houve desidratação intensa ou uso prolongado de medicamentos que afetam a percepção do paladar.
Como tirar o gosto ruim da boca depois da dengue?
Felizmente, a maioria dos sintomas orais da dengue é reversível. O gosto ruim, seja ele amargo, metálico ou doce, pode ser combatido com medidas simples, mas eficazes.
Recomende ao paciente:
- Manter hidratação constante (água, sucos naturais e chás suaves);
- Higienizar a língua diariamente com raspador;
- Evitar alimentos ácidos ou condimentados até o paladar normalizar;
- Utilizar enxaguantes bucais sem álcool, com ação refrescante;
- Manter uma boa higiene oral, com escovação suave e uso de fio dental.
Se os sintomas persistirem por mais de duas semanas, vale reavaliar o caso e considerar causas associadas — como infecções fúngicas ou disfunções salivais pós-virais.
Quais medicamentos agravam a dengue?
Como dentistas, precisamos ter muito cuidado com o que prescrevemos durante surtos de dengue — ou mesmo em quadros suspeitos. Alguns medicamentos podem parecer ‘inocentes’, mas, na verdade, são grandes vilões diante do quadro clínico da dengue.
Dessa forma, é proibido o uso de anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs), como ibuprofeno e ácido acetilsalicílico (AAS) diante do quadro da dengue. Esses fármacos aumentam o risco de sangramentos porque interferem diretamente na agregação plaquetária.
O ideal, então, é usar analgésicos mais seguros, como paracetamol ou dipirona. Além disso, orientar o paciente a buscar avaliação médica se os sintomas forem compatíveis com dengue.
Quais são os sinais de alerta de que a dengue está piorando?
É muito importante que o paciente fique atento a todas os sinais, e não apenas nas manifestações orais da dengue. Afinal, se houver uma piora, o risco aumenta. É preciso se alertar quando acontecer:
- Sangramentos gengivais intensos ou frequentes;
- Manchas roxas ou vermelhas pelo corpo (púrpura);
- Dor abdominal forte e contínua;
- Vômitos persistentes;
- Sonolência excessiva ou irritabilidade;
- Diminuição do volume urinário;
- Queda repentina de pressão arterial.
Caso o paciente apresente um ou mais desses sinais, é essencial encaminhá-lo imediatamente a um serviço médico. Não é hora de intervir odontologicamente — é hora de agir como profissional de saúde e priorizar a vida.
A dengue é muito mais do que febre e dor no corpo. É uma doença sistêmica, que se reflete em cada canto do organismo — inclusive na boca. Portanto, como dentistas, precisamos estar preparados para reconhecer essas manifestações orais da dengue, orientar nossos pacientes com responsabilidade e agir de forma ética, especialmente em tempos de surtos.